(Imagem: Mayã Fernandes)
Conta-se que no reino de Nàánàá Buruku ouvia-se uma história de uma erê que veio do outro lado do mundo para desvendar os mistérios das águas pantanosas.
Awakú era seu nome. Ela viajava com outras êres em uma canoa que descia o rio lodoso. Ao fundo, escutavam-se cantigas como a "Òdì Nàánàá léssé, aiye aiye léssé" que saudava a sabedoria de Nàánàá. Um dia os ouvidos atentos de Awakú perceberam além da cantiga, um rangido ao fundo: "nhéque, nhéque, nhéque…".
Curiosa com o barulho de madeira quase inaudível,
Awakú assume a coragem de Ososi Erinle e pula da canoa rumo às árvores do
pântano. Guiada pelo resquício do rangido percorre mata adentro em busca do
misterioso som. Ela percebe que ao seu redor as árvores possuem longas raízes
que se movem para fora da água milimetricamente, quase enganando aqueles que
passam por lá, todo mundo acredita que as árvores são rígidas e estagnada no
chão.
Awakú entende as artimanhas do pântano e entra na
brincadeira, dançando devagarinho, fecha os olhos e segue o "nhéque"
recolhido na mata. As árvores ao seu redor caminham ao lado da erê e em um
instante a cercam, não a deixando continuar sua busca. Uma das árvores, bem
alta, se aproxima e diz: o que procuras pequena Awakú?. Awaku corajosa, com um
sopro anuncia: Quero encontrar quem profere este som "nhéque, nhéque,
nhéque". A grande árvore ri com a astúcia da erê e explica: a vida Awakú é
para ti um paradoxo difícil de entender, por isso insiste em perseguir novas
aventuras. Pois bem, estávamos a sua espera. Estendendo um tronco, a árvore
suspende Awakú do chão em um convite para viajar em seus galhos. Percorrendo a
mata, Awakú sente o vento em seus cabelos e guarda em sua memória cada árvore,
folha e planta e cada ventania que acaricia suas costinhas e embala o caminhar
das raízes no pântano. O som que antes estava abafado, agora faz-se macio, num
"nhéé" carinhoso, de quem estava cansado de esperar. Awakú desce da
árvore e coloca-se em frente ao som. O som era emitido por uma árvore anciã,
que percorreu o rio até chegar ao mar. Que já havia visto todo tipo de espécie
de bicho e de gente e que fez muitos amigos. Dela já brotaram flores, ela
recebeu abraços e oferendas também. A árvore que sempre gostou de estar
presente em cada início da vida agora sabia que deveria esperar com sabedoria
seu próprio fim. Awakú também sabia o porquê foi guiada até ali. Quando uma
árvore está cansada e já viveu milênios, emite o som para deitar-se sob as
folhas caídas de Ossayin. Naquele momento a erê entendeu que o rangido era de
paciência. Em um impulso, correu até a árvore anciã e a abraçou. "Mojugba
gbagba mi", agradeceu a erê. O silêncio pairou no pântano. Awakú
afastou-se da árvore, acenou despedindo-se das demais, e partiu em busca de uma
nova aventura.
Como diz um sábio bagbalorisa "somos todos
infinitos e vivemos em cada labareda do fogo, das gotículas de água, dos grãos
de areia que formam a terra e das partículas do ar". Da história da erê
Awakú e sua busca pelo rangido no pântano, ensina-se ao povo que a morte é
companheira fiel da vida e não devemos temê-la, pois ela faz parte do ciclo
eterno de transformações que dão sentido à existência. Salugba Iyá mi. Salugba
Nàánàá.
Sobre a autora: Nàány Ofurufu, sacerdotisa do Orisá Nàánàá. Doutoranda em Artes Visuais pela Universidade de Brasília - UNB.
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